Depoimento de Guilherme Arantes ao Otavio Augusto, músico
que cantava em inglês como Pete Dunaway e que passou pelas bandas Uncle Jack e Memphis
- grupo bem executado em rádio no início dos anos 70 com a canção
Sweet Dayse. Algumas composições de Pete saíram com os pseudônimos
August e Duncan. A diversificação de nomes era para atender um
mercado que exigia que os cantores cantassem em inglês e
vendessem, assim, mais discos. Em carreira solo, Pete Dunaway fez sucesso com canções como
You're The Reason, Don't Let Me Cry, Believe Me Darling e
I'll Be Fine, entre outras. Nos estúdios da Som Livre, já trabalhando com seu nome
original, Otávio Augusto, fez os
arranjos de base e a direção de produção do primeiro disco de
Guilherme Arantes, lançado em 1976.
Guilherme Arantes
para o Zine Lance Legal
- O Pete Dunaway eu tenho uma gratidão enorme por ele, que foi um
cara que enxergou o meu talento. Ele é primo do Boni (TV Globo) e
quando eu lancei o segundo disco ele não estava mais na Som Livre,
em 1977. Hoje ele é um publicitário. O último contato que tive com
o Otavinho foi num show do Barra Shopping, em 1988/89, no Rio.
Otavio,
Muita saudade de você,
meu querido descobridor, meu melhor produtor, meu arranjador mais
talentoso, alguém muito especial em minha vida. Um dia, naquele
escritório da Som Livre na Rua Augusta, fui chamado para conversar com
você. Eu não era ninguém neste mundo da música, da fama, e você prestou
atenção em mim. Era um rapaz novo,
estudante da FAU-USP, ex- líder de um grupo progressivo, o Moto
Perpétuo, e nada além disto... Tinha nas mãos uma fita
em 7,5 polegadas, gravada num estúdio chamado Pauta - por sinal, um
estúdio de 1 canal. Eram músicas de piano e
voz, baladas em português ao estilo de nossos ídolos, Beatles, Bread,
Genesis, Cat Stevens, de centenas de outros formadores daquela nobreza
melódica, especialmente Elton John, que era o "number 1" nas paradas e
esse estilo me deu uma sorte danada, pois eu adorava aquele som, e você
me levou à cúpula da Som Livre, que me recebeu de braços abertos para
ser uma verdadeira sensação, tratado a pão-de-ló. Nunca vou me esquecer
daquilo tudo... me transformar em um artista de verdade, foi a "varinha
de condão" mais intransferível, ninguém trouxe alegria maior na minha
vida.
Cumpria exemplarmente seu
papel de produtor, no sentido mais nobre dessa função, hoje tão
difundida e banalizada pelas facilidades digitais... Este momento foi o mais
importante de minha carreira, porque não dizer, de minha vida, não
apenas no aspecto profissional. Toda uma vida ali mudou,
e teve início uma saga de incríveis conquistas, tudo a partir de nossos
trabalhos juntos, inesquecíveis e de permanente beleza .
Sua formação com o
Maestro Cyro Pereira lhe deu uma habilidade para arranjos e produções
que nunca mais encontrei em ninguém, mesmo tendo trabalhado com os
maiores produtores do Brasil e também em Los Angeles, no auge da era de
ouro das canções e do mercado "state of the art".
A produção de meu
primeiro LP, com os meninos do Roupa Nova, com arregimentação luxuosa e
inacreditável para os dias de hoje, músicos da sinfônica, com Altamiro
Carrilho, Copinha, Marcio Mallard, Rildo Hora, Maciel, resultou no meu
melhor disco de todos e ponto final... e não é opinião somente minha. Os
críticos mais ferozes também acham aquele disco belíssimo... e é mesmo.
Mas há ainda fatores
adicionais de muita gratidão. Havia toda uma geração de
GENTE QUE AMAVA O QUE FAZIA, desde técnicos, como Nolan, como Don
Harris, Victor Farias, o Guto Graça Mello - que me conhecia das
parcerias com a queridíssima Bibi Vogel... Quer saber ? Fomos uns
sortudos de viver aquele tempo, que provoca inveja nas gerações de
hoje... Não havia o show business
de hoje, as pessoas trabalhavam para a industria do disco... compondo,
gravando, procurando caminhos...
Hoje, com qualquer
meio-hit, uma banda de pagode, uma dupla sertaneja sai para a
estrada, faturando montanhas de dinheiro banal, e ficam 2 anos tocando
de quarta a domingo, em quartos de hotel, comprando mansões, sem tempo
pra viver nessas mansões, menos ainda pra estudar um instrumento, pra
cantar melhor, pra maturar uma letra reveladora, uma canção de verdade,
que possa transformar o dia a dia das pessoas, como a gente sonhava e
conseguiu, tantas vezes...
É bom que as pessoas
tratem de reavaliar nossa geração, e identifiquem quem foi o quê, e
porque... É bom que todos,
especialmente você, Otavio, saibam que essa gratidão é um calor que
aquece a alma, e que nada roubará essa alegria. Se um dia você se animar
a vir conhecer o estúdio/pousada na Bahia, venha com família, quando
quiser... Quem sabe a gente não
apronta novidades, põe em dia a amizade...
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